sábado, outubro 12, 2013

Ser macho

           Tudo o que eu vou escrever de seguida é, pela positiva ou pela negativa, sem prejuízo das coisas espontâneas da vida, mas por exemplo e pela positiva pode e à partida até deve nascer-se plenamente saudável, ainda que também se possa excepcionalmente nascer doente, deficiente, etc., de entre e a partir de que há muito mau (doentio) que se ao longo da via não o procuramos enquanto tal, no entanto tão pouco fazemos muito para o evitar, o que em si mesmo implica com não raro afastar-mo-nos do bom (saudável).

            Ser Macho

            Ser macho tal como eu o apreendi prática e teoricamente, é em significativa e substancial medida ser suicida.

            Por exemplo no manuseio dum produto químico potencial ou mesmo expressamente perigoso para a saúde, em que designadamente o rotulo do produto em causa aluda expressa e objectivamente a essa perigosidade, desde logo aconselhando o uso de óculos e/ou de mascara e avisando que ao mais mínimo sinal de mal-estar se deve consultar o médico e/ou o centro de antivenenos, etc.; mas por norma o estereótipo de macho a que aqui aludo não liga a rótulos, inclusive para o mesmo isso de rótulos é coisa de meninos (crianças) e/ou de senhoras (sexo fraco). Pois que macho que se preze faz uso do produto químico em causa, sem mais e ponto final. De resto é suposto que o tipo de macho em causa seja imune a esse tipo de perigosidades e/ou então simplesmente o mesmo não tem ou não deve mostrar medo da dor, em ultimo caso da própria morte! E se o acidente se der e/ou a doença derivada aparecer, respectivamente a culpa é do “cabrão do azar”, da “feiticeira de serviço”, etc., etc. mas nunca por nunca é ou será culpa do durão do macho, inclusive as insensatas práticas inerentes ao tipo de macho em causa, tanto mais se socioculturalmente aceite como tal, chegam a tornar-se tão irracionais e inconscientes que não raro para o próprio meio sociocultural envolvente, o acidente ou a doença inerentes ao macho são coisas “inexplicáveis”, são coisas “da vida”, são _ mais uma vez _ coisas do “azar”, em suma é motivo para se dizer e voltar a dizer “coitado, era uma boa pessoa, um homem trabalhador e logo a ele lhe foi acontecer uma coisa destas...”; como melhor das hipóteses diz-se “era o que tinha de ser, é o destino da pessoa!”.

            Tal como introdutoriamente, repito que uma pessoa pode nascer logo doente, deficiente, pode até ter um acidente e/ou uma doença para os quais não tenha contribuído em absoluto, aquém e além do facto de estar vivo. Mas o facto é que para o estereótipo de macho aqui em causa, quer o acidente, quer a doença angariados pelas próprias mãos e/ou pelas promiscuas acções ou positivas inacções próprias, estão permanentemente por detrás da porta, por detrás de cada instante de vida dos respectivos. E em que tendo eu nascido e começado a crescer num contexto sociocultural em que o estereótipo de macho em causa era a norma e em grande medida ainda actualmente está vigente em alguns lugares e/ou contextos sociais, além de na mente dalguns particulares indivíduos, por si só mais unilateralmente machos do que plenamente humanos; por mim enquanto “gota de água” deste másculo “oceano social”, em determinados momentos e fases da minha vida até embarquei no másculo culto em questão, noutros momentos e/ou fases deixei que o meu instinto de sobrevivência fala-se mais alto! No primeiro caso fui dalgum modo aceite e tido socioculturalmente como mais um; no segundo caso fui essencialmente olhado como um espécime raro, uma espécie de extraterrestre, o tipo que se preocupa com essas “mariquices”!  

            Actualmente, se não me apetece chatices no imediato e/ou se eu próprio estou animicamente mais pró suicida(*) do que pró sobrevivente, então tendo a abandonar-me ao culto másculo em causa, ainda que (já) não o faça para me sentir parte integrante, nem muito menos para parecer bem ou para fazer favores a quem quer que seja, simplesmente faço-o por passivo abandono, inclusive e ironicamente abandono à minha mais imediata necessidade de subsistência e/ou então para não ter chatices extra dia-a-dia; mas se por outro lado eu estou com suficiente reserva de auto estima e de amor-próprio, com animicamente suficiente primazia pró sobrevivente e se até por isso não temo chatear quem quer que seja, nem que quem quer que seja me chateei a mim, então entrego-me pura, simples e acima de tudo pró positiva e activamente ao meu próprio instinto de sobrevivência, no caso preocupando-me e levando em positiva linha de conta essa coisa de “mariquices”, designadamente auto protegendo-me na medida do possível de qualquer risco, por mais que isso vá-a contra o culto social envolvente de base e essência do macho incorruptível e/ou que não tema a morte _ é que eu mesmo não temo a morte enquanto tal, mas dai a desejar ou a procurar a morte vai uma distância imensa, diria mesmo que infinda!

            Em resumo diria que eu gosto tanto ou mais da minha masculinidade, quanto necessito e procuro viver o mais e o melhor possível como pessoa humana, ao invés de muitos que querendo ser e/ou parecer muito machos, parecem estar mais próximos da morte do que da vida ou seja mais próximos de não viverem a sua própria plenitude pessoal, humana, vital e universal, no caso enquanto do género masculino, do que o seu positivo inverso. Sendo ainda que macho que se preze não entende nem aceita subtilezas ou meios-termos, para o verdadeiro macho ou se está com e pelo mesmo ou se está contra o mesmo, tudo o mais é inútil, inexistente e/ou então incomodo, sendo que macho pode incomodar, mesmo que não o admita, mas não pode ser incomodado, mesmo que em sequência de incomodar!

            Talvez deva aqui dizer que não me compete julgar quem quer que seja, pelo menos não sem dalgum modo me estar a julgar a mim mesmo, desde logo a este nível que envolve a minha própria masculinidade. Mas então e ao menos devo dizer que há um certo desfasamento, diria mesmo que há um certo conflito entre o por si só culto do macho normalmente bruto, rude e a cheirar a cavalo, versos a procura da plenitude vital e humana, no masculino ou no feminino que inclusive e não raro esta última (plenitude) envolve mais riscos, pela positiva, do que o macho bruto, que neste último caso envolve acima de tudo um culto suicida, se acaso e no limite com um póstumo: “coitado tinha o seu feitio, no entanto era boa pessoa, um bom trabalhador, mas a sorte não quis nada com ele”!  

            Em conclusão diria que há Seres Humanos e há machos e fêmeas. Sendo que eu escolho Ser Humano, no meu caso no masculino _ ainda que e/ou até porque isso não raro envolva um meu conflito interno próprio, desde logo derivado do meu, por vezes, passivo e abnegado abandono ao promíscuo e decadente culto do macho em causa, dependente ou independentemente de qualquer positiva e/ou plena utilidade pessoal, humana, vital e universal que se possa ter para com o que ou quem mais quer que indefinidamente seja, aquém e além dum imediato e (pró) suicida exibicionismo másculo, sem mais!  


                                                                                              VB

           (*) Atenção que na acepção em causa, não quer dizer que eu procure objectivamente a morte, quer dizer sim e por exemplo que em determinados momentos e/ou contextos da vida, viver ou morrer torna-se significativamente irrelevante, desde logo quando circunstancial ou excepcionalmente para tão só sobreviver tenhamos contraditoriamente de arriscar a própria vida!

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