domingo, dezembro 02, 2012

Culpa(do)

            Ontem (01-12-2012) à noite, vi-me envolvido num acidente automóvel.

            Circulando eu na rua duma determinada localidade, parei junto a uma passadeira para dar respectiva e devida passagem a dois peões, quando o veículo que circulava imediatamente atrás de mim não tendo parado veio naturalmente embater na traseira do meu próprio automóvel. O condutor do outro veiculo assumiu de imediato a culpa de não se ter apercebido da minha paragem junto à passadeira e enquanto tal tendo vindo embater na traseira do meu carro. A partir de que assumi-mos de entre nós condutores acidentados fazer a declaração amigável de acidente automóvel, inclusive após a circunstancial presença de dois corpos policiais locais, que deram a assistência que lhes competia e/ou que acharam devida às circunstancias, designadamente controlando o transito no local do acidente, respectivamente identificando-nos, tirando algumas fotos e referências do acidente e ainda orientando a nossa saída da via para uma faixa lateral de modo a que não impedisse-mos a natural circulação automóvel no local do acidente, a partir de que auto assumimos de entre nós condutores acidentados por mutuo acordo que resolveríamos a situação amigavelmente, dando lugar à retirada do corpo policial.   

            Sequência de que demos andamento a todos os amigáveis trâmites burocráticos no local, como preenchimento escrito da declaração amigável de acidente automóvel, incluindo a comunicação do acidente via telefone às respectivas seguradoras, até como solicitação da assistência em viagem para transporte dos veículos acidentados e dos passageiros dos respectivos. Seja que salvo o acidente em si mesmo, tendo tudo o resto corrido por assim dizer: bem! Mas eis que ainda assim algo me tem vindo a inquietar desde então, inclusive adormeci a noite passada com uma estranha sensação de mal-estar e esta mesma manhã, do dia após o acidente, como que ainda acordei com a mesma estranha sensação de mal-estar em sequência de mesmo dito acidente. Tudo isto apesar de não ter havido vitimas (feridos) a lamentar, de todo o factor amigável de entre nós condutores acidentados e de tudo o mais após o acidente ter decorrido, por assim dizer, com positiva normalidade. Pelo que ao menos durante a noite de ontem, imediatamente após o acidente e antes de ter adormecido, auto concedi a minha sensação de mal-estar própria em sequência de por si só um acidente automóvel, mesmo que com danos materiais ou seja sem danos pessoais e humanos, ser sempre algo chato, incómodo e contraproducente a vários níveis _ desde logo e por mim mesmo falando, aquém e além do incomodo do acidente em si mesmo, pelo menos por alguns dias ou mesmo semanas, eu ter por exemplo de ficar sem transporte próprio para me deslocar entre casa e o local de trabalho, sendo este último sazonal e de circunstancia ou seja de aproveitar ao mais possível!

            Mas mesmo assim o meu mal-estar persistiu, aquém e além de eu já ter assimilado a globalidade dos inconvenientes dum acidente automóvel, só com danos materiais, sendo que quando chego à conclusão certa acerca dum meu mal-estar próprio, em regra o mesmo passa ou fica muito atenuado, a partir de que se ainda esta mesma manhã ao acordar o meu mal-estar interior persistia é porque algo mais havia a desvendar ao respeito, aquém e além do inconveniente do acidente em e por si só. Pelo que até talvez após uma noite de sono, em sequência da persistência do meu inerente mal-estar, como que também após acordar acabei como que natural e espontaneamente remetido para algo mais profundo e complexo. No caso e como não raro acabei remetido para a minha infância, para os meus primórdios vitais ou existências próprios e ai sim como que se fez luz sobre o meu mal-estar em causa, designadamente levando-me ou trazendo-me ao presente, como quem descobriu a pólvora! Concretamente para dizer que tive e tenho de chegar à conclusão de que no caso concreto, apesar de e/ou até pelo condutor do outro veiculo envolvido em acidente automóvel comigo ter assumido a devida responsabilidade pelo acidente, inclusive tendo a companhia de seguros do outro senhor condutor de pagar os danos no meu carro e o outro respectivo condutor de pagar os danos no seu próprio automóvel, no entanto não consegui evitar sentir-me culpado por ter estado naquele local, naquele momento e naquelas circunstancias. Designadamente se eu não existisse, se eu não tivesse carro ou se ao menos eu não tivesse estado ali naquele momento e naqueles circunstancias aquele acidente em concreto não teria sucedido. Claro que o mesmo se pode aplicar e de resto se aplica inclusive aos peões que estavam a atravessar a passadeira naquele momento e tanto mais ainda se ao condutor do outro automóvel, enquanto tendo sido este último o efectivo e auto assumido responsável _ vulgo culpado _ do acidente em causa. O problema é que por princípio sociocultural, familiar e/ou vivencial próprio, me habituei desde globalmente sempre a ser perspectivado e/ou a perspectivar-me a mim mesmo como o grande culpado(*), como o que está(va) (quase) sempre errado, como o que devia ser ou deixar de ser, de fazer ou deixar de fazer, de ter ou deixar de ter algo distinto; como seja o que em regra raramente é(ra) ou deixa(va) de ser, faz(ia) ou deixa(va) de fazer, tem(tinha) ou deixa(va) de ter o que, como, quando e quanto devia.  

            Designadamente na minha pequena localidade de origem, em que todas as pessoas se conheciam e conhecem pelo nome próprio, para alguns eu não passava e quiçá ainda hoje não passe do coisinho! Inclusive quando mais que respeito se devia mesmo obediência (respeitinho) aos mais velhos, na base da hierarquia etária do mais velho sobre o mais novo, o que em si mesmo faz todo o vital ou universal sentido, em especial quando o mais velho consegue empatizar com o mais novo e encaminhá-lo pró positivamente na e para a vida, no entanto com base na hierarquia social do mais rico sobre o mais pobre ou da(o)s senhora(e)s fulana(o)s de tal sobre a(o)s coisinha(o)s como eu, por exemplo nesta última acepção e na minha condição pessoal, familiar e social originalmente na base de todas e de mais uma das hierarquias instituídas inclusive opressiva/repressivamente, por exemplo eu enquanto infantil/juvenil, estava obrigado por dever sociocultural, desde logo sob designação de coisinho, a fazer uns ditos mandados _ vulgo levar recados ou prestar serviços _ a(o)s senhora(e)s fulana(o)s de tal, como por exemplo a alguém mais rico, mais velho, mais socialmente estabelecido etc., quando por exemplo os meus pais enquanto adultos mais velhos e enquanto tal etariamente superiores e mas de condição social inferior, designadamente perante infantis/juvenis etariamente inferiores, mas socialmente superiores, por um lado e à partida nem os meus pais/familiares em regra podiam sequer pedir e muito menos exigir mandados aos infantis/juvenis de condição social superior, além de que em regra tendo ainda os meus pais/familiares de tratar esses mesmos infantis/juvenis socialmente superiores pelo nome próprio e/ou delicada e educadamente por menina(o)s!

            Enfim o transacto parágrafo, funciona como ponta dum tão maior ou menor iceberg quanto toda a minha existência, com tudo o que lhe é e está (inter)pessoal, familiar, social, cultural, humana, vital ou universalmente inerente, pretendendo o mesmo ilustrar muito leve e superficialmente a minha inferior condição sociocultural e/ou existencial original, talvez com a agravante de enquanto tal os meus pais/familiares se terem duma ou doutra, semi objectiva ou subjectiva, forma auto assumido a si mesmos como inferiores, inclusive com a mudança de paradigma sociocultural de opressivo/repressivo, para um paradigma dito de liberdade democrática, tendo-se auto apresentado os meus pais/familiares como não (livres ou democráticos) exemplos próprios para nós filhos/descendentes, tendo ou devendo nós filhos/descendentes de ser e de fazer algo diverso ou até inverso aos próprios pais/familiares ascendentes, se é que segundo próprias palavras paternais/familiares nós filhos/descendentes queríamos ser algo ou alguém na vida! No fundo tendo passado os pais/familiares ascendentes para os ombros dos filhos/descendentes a responsabilidade pela própria vida destes últimos e/ou até por isso de pró positivo (livre, autónomo e/ou afirmativo) resgate dos primeiros (ascendentes). O que inclusive por carência de melhores ou mais próximas referências de vida, enquanto tendo-se auto excluído expressamente os meus próprios pais/familiares de e para tal, me levou a reverenciar ou a venerar as pessoas e/ou as famílias que me eram hierarquicamente superiores, já fosse ao nível etário, social ou qualquer outro, por vezes e em alguns casos até acima de tudo aquelas que me remetiam à subserviente e inominável condição de coisinho _ ainda que e/ou até porque eu não gostasse, nem na medida do possível quisesse remeter qualquer outro alguém para essa mesma subserviente e/ou inominável condição. Tudo isto e por mim mesmo falando, aquando e/ou a partir da minha existência infantil/juvenil, em que por exemplo eu necessitava de referências e/ou mesmo duma tutela, desde logo paternal/familiar objectiva, afirmativa e coerente. Sem natural e acima de tudo deixar de (auto)assumir e (re)lembrar que por mim mesmo, salvo ao nível duma básica, não raro esforçada, sofrível, quando não mesmo degradante e decadente e/ou como melhor das hipóteses inconformada existência, de e para com o que por paradigmático exemplo escrever me é pró vital, sanitária ou subsistentemente providencial, de resto tão pouco consegui afirmar-me e/ou impor-me positivamente na, perante e para com a própria vida. Dai que não raro e em especial quando esta minha (auto)subsistente existência afecte duma ou doutra menos positiva forma outras pessoas, eu não possa deixar de me sentir responsavelmente culpado por isso _ aquém e além das responsabilidades e/ou culpas alheias.    

            De entre o que por mim mesmo falando, o facto é que salvo ao nível duma básica, não raro esforçado, sofrível, quando não até mesmo degradante e decadente, mas também e quiçá acima de tudo inconformada auto subsistência, que por exemplo me permite ou mesmo me exige estar aqui e agora a escrever o presente, de resto tenho de confessar o meu mais pleno e redundante fracasso (inter)pessoal, social, humano, vital e/ou universal próprio. Respectiva e necessariamente com repercussões na e sobre a minha restante família ascendente com mais todos os que lhes são inerentes, como por exemplo meus familiares etariamente lineares a mim e inclusive já com descendentes destes últimos, enquanto tal etariamente inferiores a mim. O que se em qualquer dos casos e por um lado me confere forças e motivação para continuar positiva ou absolutamente em frente, mas por outro lado confere-me uma responsabilidade com a qual frequentemente me custa a poder; ainda que o resultado de entre uma coisa e outra seja significativa e/ou substancialmente aliciante, perante e para com a própria vida. 

            Mas, global sequência em que não posso deixar de me sentir responsável _ vulgo culpado _ de e por existir, se acaso por fazer outras pessoas serem ou sentirem-se culpadas em sequência da minha existência, como por exemplo no relativo ao acidente automóvel de ontem, quando a minha mais remota e até talvez por isso mais marcante referência de mim mesmo é precisamente a de que eu estava sempre errado e/ou era sempre culpado, salvo se sob tutela dum hierarquia superior e/ou se sob obediência a essa mesma hierarquia superior, que por norma esta última exercia a sua tutela ou imposição sobre a hierarquia inferior com rédea curta e/ou mão de ferro, até porque em regra todo o paradigma sociocultural inerente às minhas origens era opressivo/repressivo, além de que quando perante um acontecimento negativo, em que não se pode-se comprovar directa, imediata e objectivamente a sua autoria, por quase invariável norma as culpas recaiam sobre as hierarquias inferiores presentes ou próximas, designadamente ao nível da hierarquia etária havia o sociocultural dito de que: onde há moços (crianças ou juvenis) não se culpam homens (adultos, tanto mais de hierarquia social superior). Ainda que depois aqui entrassem outros factores, não raro cíclica e continuamente contraditórios e/ou injustos, como desde logo quando por exemplo a hierarquia etária poderia ser ou estar inferiorizada perante hierarquia social e como tal o hierarquicamente mais novo nem sempre deve-se respeito e/ou obediência ao hierarquicamente mais velho, desde que este último fosse inferior ao primeiro ao nível da hierarquia social, enquanto esta última sobre a hierarquia etária. O quê é difícil de perceber? Pior era e/ou é de viver. Tudo isto ainda ao nível pré democrático ou como posterior reflexo do pré democrático; pois que com a revolucionária imposição duma dita liberdade individual democrática, pelo menos a meu ver, sentir e viver próprio o que resultou foi uma imensa, quase constante e permanente contradição de causas, efeitos e consequências, designadamente sociais _ que talvez os tempos de crise e de austeridade actuais possam trazer ao de cima mais do que nunca, aquém e além de que a dita crise e austeridade actuais já sejam por si sós resultado e reflexo dessa mesma e imensa contradição.

            A partir daqui haverá seguramente quem já tenha escrito ou possa escrever muito mais e muito melhor ao respeito do que eu mesmo. Pelo que por mim limito-me a expressar o que penso e o que sinto em sequência do que e de como vou vivendo no (in)constante e (im)permanente presente momento, com tudo o que e como está pré, pró e pós inerente ao mesmo! E naturalmente que até por e para comigo mesmo, espero, desejo, necessito e no que de mim depender tudo faço e farei para que o porvir seja um pouco pessoal, humana, vital e universalmente melhor do que o passado e o próprio presente. Desde logo e salvo a modéstia e/ou a imodéstia, como paradigmaticamente, ao procurar auto sobreviver o mais pró positiva, vital e universalmente possível em e a mim mesmo e a muito do que e de quem me rodeia!

            A partir de que perdoe-se-me ou agradeça-se-me por esta minha existência!

                                                                                               VB  

            (*) Atenção que curiosa, irónica ou quiçá coerentemente com o meu genérico culto social de origem, com mais ou menos posteriores reflexos deste último, o facto é que cheguei a sentir-me reconhecido ou valorizado pelo exterior, em especial quando me auto anulei prática e activamente como e enquanto identidade própria, designadamente remetendo-me a uma existência o mais passiva e/ou obediente possível, aquém e além de qualquer minha pró positiva humildade, por exemplo com esta minha presente expressão (escrita) própria de entre uma coisa e outra.

            Legenda cromática: escrito a preto está a essência base do que e como eu necessitava comunicar; escrito a cinzento está o que dalguma forma poderia ser dispensado da essência base, mas que eu não quis deixar de manter anexo à mesma, enquanto tendo-o originalmente escrito dentro da mesma; por fim escrito a castanho, tal como o presente, está o que em regra escrevo como complementação de e para com alguns factores da essência base e/ou inerentes à mesma.   

                     

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